Responsabilização do Estado por ato lícito.
- explicadodireito
- 2 de fev. de 2021
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Como já explanado em outros artigos aqui no Explicado Direito, a responsabilidade civil do Estado é, na maioria dos casos, objetiva. Relembrando, isso significa dizer que não é relevante o exame da culpa do agente, bastando que exista, uma conduta, um dano e um nexo causal entre os dois primeiros.
Em boa parte dos casos que nós deparamos no dia a dia, busca-se reparação do Estado em razão de algum ilícito cometido por seus representantes, com base no princípio da legalidade. Entretanto, é possível que se busque indenização das autoridades por um ato perfeitamente lícito? A resposta é sim, e isso se dá em razão do princípio da isonomia.
O princípio da isonomia prega que não é justo que na busca do interesse coletivo se prejudique um individuo em especial. Sempre que houver um dano específico, anormal, diferenciado a uma só pessoa, esta terá direito a indenização. Além deste importante princípio, duas outras teorias são aplicadas e necessárias ao entendimento da viabilidade de indenização por ato lícito do Estado.
A primeira se trata da teoria do risco social, que diz respeito às restrições normais da vida em sociedade. De acordo com essa teoria, a própria vida em sociedade pressupõe limitações à vontade e dessabores em geral. Portanto, uma regra que limite, por exemplo, aos moradores da orla de uma cidade de construir prédios maiores do que 10 andares não daria ensejo a nenhum tipo de indenização, visto que esta limitação ocorre em razão do próprio ônus de se viver em sociedade.
A segunda teoria a que devemos nos ater é a Teoria do duplo efeito do ato administrativo. Por sua vez, esta teoria prega que o mesmo ato administrativo pode gerar resultados diversos para pessoas diferentes. Sendo assim, impossível fundar seu pleito indenizatório no fato de outrem ter sido ressarcido.
Unindo ambas as teorias e o princípio da isonomia e os aplicando à um exemplo famoso no mundo do direito, poderemos compreender bem como a indenização por ato lícito do Estado se dá.
Suponhamos que em uma cidade de pequeno porte exista uma igreja matriz que represente a área nobre do município, igreja essa que atrai turistas e promove grande parte dos eventos da cidade. Suponhamos também que ao redor dessa praça exista um hotel e casas de diversos moradores celebres da cidadezinha.
Entretanto, após deliberação, a prefeitura local decidiu por realocar a igreja para um novo ponto estratégico do município, onde entendeu ser mais proveitoso para o desenvolvimento da cidade. Ainda, no espaço onde antes ficava a igreja matriz, resolveu construir o novo cemitério municipal. Repare que todas estas decisões são perfeitamente lícitas.
Indignados, a associação de moradores do bairro resolve entrar com uma demanda indenizatória contra o Estado, alegando a enorme desvalorização dos imóveis da área. Por sua vez, o dono do hotel localizado na frente da igreja também ingressa com uma ação contra a prefeitura, alegando que a partir da construção do cemitério perdeu completamente toda a movimentação de seus clientes, tendo sua atividade comercial totalmente inviabilizada.
Neste caso, o juízo não deverá dar razão à associação de moradores do bairro, uma vez que o dano que lhes foi causado decorre do risco social, ou seja, da própria vida em sociedade. Entretanto, o dono do hotel sofreu um dano específico, próprio somente a ele, diferente dos demais moradores locais. Neste caso, em razão do princípio da isonomia, o juízo deverá condenar a Administração a indenizar ao hoteleiro pelo dano causado isoladamente a ele, mesmo tendo agido perfeitamente dentro de seus limites legais.
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